História

D. Pedro I, por Simplício Rodrigues de Sá.

O SEGUNDO CASAMENTO DO IMPERADOR: D. PEDRO I
Com a morte de D. Maria Leopoldina, um grande vazio se instaurara na corte carioca, devido à perda de uma figura muito bem quista tanto por fidalgos quanto pelas classes populares, e de escravos.

Dias de luto procederam à morte da paladina da Independência do Brasil, enquanto seu viúvo permanecia ao lado daquela à qual o povo creditava toda a culpa pelo sofrimento e morte da soberana. Com o cargo de Imperatriz vago, Domitila de Castro Canto e Melo passara a concentrar em si, se não o título, pelo menos as funções de consorte real, organizando bailes para a aristocracia, recebendo embaixadores e comissionando cargos no governo para seus amigos e familiares.

Tais prerrogativas faziam da marquesa de Santos uma provável candidata ao trono. Possuía-a um caráter extrovertido, além de uma linhagem que, mesmo incomparavelmente inferior à de D. Leopoldina, se podiam distinguir nomes importantes, como o de Inês de Castro.

Todavia, ciente da extrema impopularidade que seu relacionamento com Domitila lhe valera perante os súditos, D. Pedro I estava disposto a tomar medidas para restaurar sua própria reputação, e a alternativa mais óbvia para tanto seria um novo casamento, não com uma nascida da terra, mas com uma princesa europeia.

Através de seu matrimônio com a arquiduquesa Leopoldina de Habsburgo, D. Pedro ligara-se à nobre casa d’Áustria, uma das potências mais importantes do período. Uma segunda união, por sua vez, permitir-lhe-ia estreitar ainda mais os laços com o continente europeu. Diante disso, redigiu uma missiva a seu sogro, o imperador Francisco I, na qual dizia:

“Prezadíssimo sogro e meu amo,”
“Posto que no meu coração exista ainda muito vivamente a lembrança de minha prezada Leopoldina […] que arranca de meus olhos lágrimas de externa saudade, contudo, vendo a necessidade de segurar bem o trono brasileiro e tomando o exemplo de Vossa Majestade já por três vezes dado vou pedir-lhe licença para efetuar segundas núpcias. Permita-me que agora lhe patenteie meu plano e peço ajudar-me a pô-lo em práticas…” (apud PRIORE, 2012, pag. 202).

Entretanto, as negociações não se mostrariam tão fáceis para o primeiro soberano do Brasil, uma vez que seu caso com a marquesa de Santos, aliado às causas então suspeitas da morte da primeira esposa, desacreditara-o de forma considerável perante as demais monarquias da Europa. Desse modo, era preciso livrar-se de Domitila o quanto antes, para se conseguir alcançar o fim desejado. Só que essa não seria uma tarefa tão fácil como se poderia prever.

Mulher de um temperamento extraordinário, Domitila de Castro possuía uma caráter determinado e não ia abrir mão tão fácil de tudo o que conquistara até então. Não obstante, Pedro I ainda encontrava-se apaixonado pela mesma, embora não com a mesma intensidade demonstrada nos anos iniciais do relacionamento.

Enquanto tentava lidar com seus sentimentos, encarregara Felisberto Caldeira Brandt, marquês de Barbacena, juntamente com Domingos Borges de Barros, visconde de Pedra Branca, para procurar pelas principais casas dinásticas da Europa uma princesa digna dos desejos do imperador.

Todavia, poucas demonstraram interesse em fazer uma viagem extremamente cansativa rumo à América para se casar com um homem de quem se acreditava ser o responsável pela morte da consorte. Sendo assim, o mercado de alianças matrimoniais não se mostrava favorável ao Brasil.

Era preciso afastar a sombra da marquesa, pelo menos diante dos olhos do público. Mas não demorou muito, e as pessoas começaram a descobrir que o afastamento de Pedro da amada era apenas superficial, pois secretamente ainda continuavam a trocar cartas apaixonadas e a manter encontros noturnos no solar de Domitila.

Não obstante, um novo acontecimento viria acumular o vão das frustrações dinásticas de D. Pedro I: seu irmão, D. Miguel, prometido em casamento à primogênita do imperador, D. Maria da Glória, iniciara em 1828 uma revolta contra a autoridade do irmão mais velho, na qual almejava a coroa de Portugal. Aliado a esse infortúnio, o marquês de Barbacena começara a tomar os primeiros “nãos” das pretendentes. Conta-se que a princesa da Lombarda chegara mesmo a se ajoelhar, pedindo para não vir ao Brasil.

As únicas candidatas que se prontificaram à tarefa foi uma sueca, albina; e uma princesa do Haiti, filha de rei afrodescendente. As duas, por sua vez, foram recusadas. Por fim, diante das sucessivas negações, o soberano dirigiu novas instruções ao marquês, nas quais dizia:

“O meu desejo, e grande fim, é obter uma princesa que por seu nascimento, formosura, virtude, instrução venha fazer minhas felicidade e a do Império. Quando não seja possível reunir as quatro condições, podereis admitir alguma diminuição na primeira e na quarta, contando que a segunda e a terceira sejam constantes” (apud GOMES, 2010, pag. 275).

O que podemos entender a partir das exigências do monarca é que a noiva poderia não ser tão bem nascida ou mesmo ignorante, contanto que fosse bonita e recatada. Seria necessária então alguma paciência para esse imperador de quase 30 anos até que se encontrasse uma mulher que atendesse suas exigências.

Felisberto Caldeira Brant, marquês de Barbacena, em litografia de Sébastien Auguste Sisson.

Da Europa, Felisberto Caldeira tentava tranquilizar o Imperador dizendo-lhe que “brilhante casamento no estado atual das coisas não se consegue sem tempo, paciência e muita desteridade, visto que presentemente princesas só há na Alemanha, onde a influência de Matternich é decisiva” (apud PRIORE, 2012, pag. 218).

Tanto Francisco I quanto seu chanceler Matternich queria encontrar para D. Pedro I uma noiva que servisse às pretensões austríacas no solo brasileiro, tal como a finada imperatriz. Porém, a situação de Portugal exasperava Pedro de tal forma, que, por hora, decidira se preocupar em primeira instância com o trono de sua filha, do que com o segundo casamento.

Não obstante, a teimosia da marquesa de Santos em se mudar para São Paulo o exasperava. Desse ponto em diante, o relacionamento entre ambos fora se esfriando. O “Demonão” das antigas correspondências fora dando lugar a assinaturas como “teu amigo” e “O Imperador”. Só depois de muito protelar, aquela que fora a mulher mais influente da corte decidira acatar a decisão do ex-amante, partindo do Rio de Janeiro estando grávida da futura condessa de Iguaçu.

Foi quando a situação estava já em estado vergonhoso para D. Pedro I, que o visconde de Pedra Branca encontrou na casa dos Beuharnais uma candidata que atenderia aos desejos do soberano. Amélia de Leutchtenberg era uma linda moça de 17 anos, alta para sua época,² pele rosada, olhos azuis e cabelos escuros. Satisfeito com o resultado, o marquês de Barbacena enviara para o seu amo outra missiva, bem mais positiva que as anteriores:

“Aí tem, V.M.I., o retrato da linda princesa que, aconselhada por seu tio, o rei da Baviera, inimigo de Matternich e doador, como V.M., de constituições liberais, ousa passar os mares para se unir a um soberano que todos os ministros austríacos da Europa pintam como o assassino de sua mulher. O original é muito superior ao retrato” (apud PRIORE, 2012, pag. 237).

Por nascimento, Amélia de Leuchtenberg não chegava nem perto da primeira Imperatriz do Brasil: era filha de Eugênio de Leuchtenberg (enteado de Napoleão pelo casamento deste com Josefina), ex-vice-rei da Itália, e Augusta, uma princesa Bávara. Tal ligação poderia ser especialmente danosa para as pretensões austríacas, uma vez que os Beuharnais ganharam destaque com a ascensão de Napoleão Bonaparte, e declinaram com a derrocada do mesmo. Dessa forma, um casamento com um soberano de vastíssimo Império seria uma proposta tentadora para a família da jovem Amélia.

A Bela Amélia de Leuchtenberg

A reação de D. Pedro ao retrato da futura consorte foi muito satisfatória. Conta-se, inclusive, que teria se apaixonado dela no mesmo instante. Seu entusiasmo pode ser medido pela carta que enviou ao marquês de Barbacena dando provas de sua imensa satisfação pelo negócio do casamento ter ido até o fim, e pedindo-lhe “com lágrimas nos olhos, que diga à imperatriz e até o que lho digo com lágrimas nos olhos: meu coração pertence à querida Amélia e, se eu não tivesse tido o prazer de ver essa negociação bem-sucedida, o túmulo seria meu repouso eterno; é o coração que fala e o tempo me ajudará a prova-lo” (apud PRIORE, 2012, pag. 240).

Não obstante, o fato de a jovem noiva ser neta da primeira mulher de Napoleão, exercia um fascínio a mais sobre D. Pedro, uma vez que era grande admirador deste general.³ Além disso, D. Amélia passara a ser instruída sobre a geografia do Brasil por ninguém menos que Friederich von Martius, naturalista que estivera no Brasil e catalogara muitas das peculiaridades do território, como sua fauna, flora e costumes.

Em 30 de maio de 1829, Barbacena assinava em segredo o contrato de casamento entre seu amo e a princesa Amélia Augusta Eugênia Napoleona, negligenciando assim uma série de anúncios que eram exigidos pela etiqueta; e em dois de agosto o casamento por procuração era celebrado em Munique. Era já, então, a Imperatriz do Brasil. 22 dias depois, embarcava para o reino de seu consorte, passando antes em Plymouth (Inglaterra), para pegar D. Maria da Glória, que na ocasião estava pela Europa.

A noiva, porém, só aportaria no Rio de Janeiro em 16 de outubro. Conta-se que, ao vê-la pela primeira vez, o consorte real teria desmaiado no convés do navio. Estava profundamente enamorado daquela moça 14 anos mais nova que ele. Para comemorar sua chegada, criara para ela a “ordem da rosa”, cujo lema era “Amor e Fidelidade”. Toda a corte carioca ficara encantada com sua nova soberana. O Marquês de Resende assim a descreveu:

“Um ar de corpo como o que o pintor Corregio deu nos seus quadros à rainha de Sabá e uma afabilidade que aí há de fazer derreter a todos fizeram com que eu exclamasse, na volta para casa: valham-me a cinco chagas de N. S. Jesus Cristo, já que pelos meus enormes pecados não sou o imperador do Brasil” (apud PRIORE, 2012, pag. 244).

Ordem da Rosa, criada por D. Pedro I em decorrência de seu casamento com D. Amélia de Leuchtenberg.

As bodas oficiais do casamento tiveram lugar no dia seguinte à chegada da Imperatriz, sob uma forte chuva que em nada atrapalhou a emoção do monarca. Em seguida, deu-se lugar à tradicional cerimônia do beija-mão, e ao banquete do casamento. O matrimônio ficara imortalizado pelos olhos atentos de Jean-Baptiste Debret, em uma tela na qual vemos a noiva toda de branco, recebendo do consorte a aliança e do bispo, a benção. Era o início de uma nova fase na vida de D. Pedro I, bem como na do Império do Brasil.

Notas:
¹Domitila de Castro tivera que ser afastada duas vezes da corte: a primeira em 1828 e a segunda em 1829 quando o casamento de Pedro com D. Amélia já estava arranjado.
²Uma autopsia com os restos mortais da segunda mulher de D. Pedro realizada em 2012 pela Arqueóloga e Historiadora Valdirene Ambiel comprovou que ela tinha entre 1,60m e 1,67m de altura.

D. Leopoldina, primeira esposa de D. Pedro I, era cunhada de Napoleão Bonaparte, que se casara com a arquiduquesa Maria Luísa, irmã da primeira Imperatriz do Brasil, em 1810.

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