História

Lampião, o Rei do Cangaço – Domínio Público

OS MOMENTOS FINAIS DO BRUTAL LAMPIÃO
Após ser morto, os restos de Lampião e seu bando passaram por uma longa e controversa peregrinação — o grupo só teve um descanso final após décadas de exibição.

O dia 28 de julho de 1938 ficou marcado para sempre não só na cultura nordestina brasileira, como também para a história de todo o país. Afinal, logo nas primeiras horas daquele dia, a Volante realizou uma mega emboscada que colocaria fim a vida de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião; Maria Bonita e outros 33 membros do cangaço.

Na versão mais difundida do acontecido, conta-se que, em meio a Grota de Angico, em Sergipe, a Volante chegou de maneira tão sorrateira que nem mesmo os cães perceberam sua presença. Assim, quando o bando de Lampião despertou, por volta das 5 da manhã, para rezar o ofício e se prepararem para o café, foram surpreendidos pelo ataque.

Encontro do fotógrafo Benjamin Abrahão Botto com Lampião e seu bando / Crédito: Wikimedia Commons

Acredita-se que o disparo mortal que atingiu o rei do Cangaço tenha partido do guarda-costas de Francisco Ferreira, o oficial Antônio Honorato da Silva, embora muitos historiadores questionem essa versão, como o jornalista e historiador Frederico Pernambuco de Mello, que diz em seu livro ‘Apagando o Lampião – Vida e morte do Rei do Cangaço’ que o assassino não foi Honorato, mas sim Sebastião Vieira Sandes.

“Sandes foi coiteiro [pessoas que ajudavam os cangaceiros, dando-lhes abrigo, comida e informações] de Lampião na região de Alagoas e companheiro de costura dele. Lampião era um exímio costureiro de couro, de pano, bordava”, explica o historiador, que diz que os dois chegaram até mesmo a serem amigos.

O historiador alega que a descoberta ocorreu em meados de 2003, quando perto do seu leito de morte, Sandes lhe fez uma confissão. “Fiquei até emocionado. Fazia mais de 20 anos que estava atrás dele. Minha mulher achou, na ocasião, que era uma emboscada. Ele me deu um relato precioso, que gravei durante quatro dias. Morreu um mês depois”.

Segundo o depoimento, Lampião morreu com um tiro só de fuzil, disparado a oito metros dele, porque o atirador não estava atuando no combate, mas observando à distância. “Lampião foi surpreendido, pois esperava ser atacado por terra e não pelo rio, como aconteceu. Sandes me disse que o silêncio era de uma catedral, porque era começo da manhã. Havia chovido e até os animais estavam recolhidos.

A maneira como atirou, de cima para baixo, ao contrário do que afirmava Honorato, foi comprovada pela perícia feita recentemente pelo perito criminal federal Eduardo Makoto Sato, do Instituto Nacional de Criminalística. O punhal de Lampião, que foi atingido, nunca havia sido analisado”.

A operação que terminou com a morte de Lampião
O ataque durou cerca de 20 minutos, deixando o líder e Maria Bonita gravemente feridos. Ainda assim, a mulher rastejou até o companheiro e pediu a autoridade que ele fosse poupado, mas a tentativa foi inútil.

O extermínio dos cangaceiros foi motivo de muita euforia dos Volantes, que ainda aprenderam os bens dele, além de decapitar e mutilar os corpos de todos do bando — Maria Bonita foi degolada ainda quando dava seus últimos suspiros. O mesmo ocorreu com Quinta-feira, Mergulhão, Luís Pedro, Elétrico, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete e Marcela. Sendo que os dois primeiros também tiveram suas cabeças cortadas quando ainda estavam vivos.

Após o ataque, a bizarra exposição das cabeças /Wikimedia Commons

O ódio dos policias pelo bando era tamanho que mesmo depois de morto, um deles golpeou a cabeça de Lampião com uma coronhada de fuzil, deformando o crânio do cangaceiro. Esse ato serviu para difundir a lenda de que o cangaceiro não havia sido morto e acabara fugindo com vida do conflito.

As cabeças dos membros do bando foram guardadas em lata de querosene, como se fossem troféus da vitória recente do grupo de Volantes. Já o que sobrou dos corpos dos cangaceiros foi deixado a céu aberto, o que atraiu inúmeros urubus. Posteriormente, para evitar a disseminação de doenças, foi jogado creolina sobre os corpos, o que acabou infectando e matando algumas aves. A morte delas ajudou a fomentar a crença de que o bando havia sido envenenado antes do ataque.

O trajeto dos restos de Lampião e seu bando
Em sua peregrinação da vitória, o coronel João Bezerra atraia multidões ao exibir as cabeças do grupo — que neste momento já estavam em estado de decomposição. Os “troféus” estiveram, em um primeiro momento, em Piranhas, onde foram organizados cuidadosamente na escadaria da prefeitura e fotografados junto a outros apetrechos dos cangaceiros, e depois passaram por Maceió e pelo sudeste do Brasil.

Já no IML de Aracajú, as cabeças degoladas foram analisadas pelo Dr. Carlos Menezes, que as mediu, pesou e examinou, não constando nenhum sinal de degenerescência física ou quaisquer outras anomalias, tendo sido classificadas como normais.

Do sudeste do Brasil, os crânios — já em péssimo estado de conservação — foram levados para Salvador, onde permaneceram por seis ano com membros da Faculdade de Odontologia da UFBA, que as examinaram novamente em busca de alguma patologia, o que não foi encontrado.

Bando de Virgínio Fortunato da Silva em 1936 / Crédito: Wikimedia Commons

Mais tarde, a cabeça de todos passou por um processo de mumificação e foram expostas no Museu Nina Rodrigues, na Bahia, por mais de três décadas. A peregrinação destes “troféus” só acabou depois do economista Sílvio Bulhões, filho de Corisco e Dadá, lutar para dar um sepultamento digno aos restos do cangaceiro. Segundo o próprio Bulhões, dez dias após o enterro, a sepultura de seu pai foi violada e os restos foram exumados e colocados em exposição no Museu.

O descanso final dos cangaceiros só ocorreu graças a um Projeto de lei instaurado em maio de 1965, que após a pressão popular e do Clero, garantiu os cangaceiros tivessem o direito de serem enterrados. Assim, as cabeças de Lampião e Maria Bonita foram sepultados em 6 de fevereiro de 1969. Os demais membros do bando foram enterrados uma semana depois.